domingo, 13 de maio de 2012

Vocação Religiosa x Vocação Filosófica

No início da Suma Teológica, Santo Tomás de Aquino explica que “a doutrina sagrada não se vale da argumentação para provar seus próprios princípios, as verdades da fé; mas parte deles para manifestar alguma outra verdade, como o Apóstolo, na primeira Carta aos Coríntios, se apóia na ressurreição de Cristo para provar a ressurreição geral.” [STh.I,q1,a8,c] Portanto, o princípio, na Teologia, é dado desde fora; é fornecido pela Revelação; na Filosofia, pela conclusão a que o homem chegou pelo uso da força de sua razão. A Teologia não nega a razão, mas a aperfeiçoa. Em Filosofia, não se aceita que isto ou aquilo seja verdade de maneira simples e tranquila. Aceita-se que isto ou aquilo é verdade para não cair em contradição mais à frente. Por exemplo, se a pessoa recusa aceitar a existência de Deus, terá de aceitar a ocorrência de efeito sem causa. Como qualquer um sabe que tudo que cerca sua vida, bem como tudo que faz, possui causas determinadas (ainda que desconhecidas da própria pessoa), fica difícil dizer que o universo, com tudo que nele existe, surgiu do acaso, espontaneamente. Se disser para um ateu que o computador que tenho à mão é fruto do acaso, que suas peças se juntaram aleatoriamente, ele rirá de mim. Contudo, acalmado o seu riso, dirá que o universo (muito mais complexo que o meu computador) é fruto do acaso... Para evitar contradição tão evidente, bem, é melhor admitir uma causa primeira, incriada, para tudo quanto existe. Assim se nota que a verdade, em Filosofia, é aceita caso contrário o resultado serão incontornáveis contradições; é imposta pela força de melhores argumentos do que aqueles que se lhe opõem. Para tanto fazer, a mente do filósofo tem de comportar-se de maneira ativa e impositiva, como que sempre em choque com fortes oposições. Ao contrário, a atitude da mente na Teologia é a atitude própria de quem se coloca diante de algo que lhe acontece e lhe é mostrado desde fora. Igual à atitude de São Paulo que, confrontado com as expectativas dos gregos e dos judeus, respondeu (1Cor 1, 23) “pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos”. Quer dizer, a premissa, o ponto de partida é Cristo, o qual não se pode explicar, deduzir, mas crer, aceitar, amar e obedecer. Crendo nEle, é possível entender o que Ele ensina; não crendo, não é possível entendê-Lo. O papa Bento XVI (Fé, Verdade, Tolerância, o cristianismo e as grandes religiões do mundo) aponta diferença semelhante ao mencionar as distintas atitudes, a do místico e do racionalista e a do religioso. Aproveita para assinalar “a diferença marcante que separa os patriarcas e os profetas de Israel dos grandes fundadores de religiões da Ásia oriental”:
“Quando se confrontam os portadores do evento da aliança em Israel com as personalidades religiosas da Ásia, pode-se, a princípio, ser acometido por um mal-estar peculiar. Com todas as suas artimanhas e espertezas, com seu temperamento e sua inclinação para a violência, Abraão, Isaac, Jacó e Moisés, parecem, no mínimo, pobres infelizes e medíocres em comparação com um Buda, um Confúcio ou um Lao-Tsé.” (p. 40)
Simplificando e reduzindo a termos simples, a questão fica assim: os representantes das religiões da Ásia são exemplos da atitude do homem que entende poder chegar a Deus “aprofundando-se cada vez mais nas camadas de sua própria personalidade”; ou a daqueles que, dentro da Igreja, entendem poder julgar ao Papa, aos Concílios e tudo mais. O resultado a que estes chegam é semelhante ao do místico, que se esforça por chegar a Deus a partir da rejeição do dogma: quanto mais vão ultrapassando as diversas camadas da personalidade, e aumentando a força da rejeição do dogma, mais distante, incompreensível e incomunicável Deus de torna. E isto assim ocorre porque – dá a entender o papa Bento XVI – quanto mais a pessoa progride neste esforço, mais nítida vai ficando a distância que há entre sua mente e seu ser e a realidade mesma que Deus é. Não estranha então que, no fim do itinerário místico, chegue-se à conclusão que “tudo é ilusão”, ou que “todas as religiões são parte da verdade e nenhuma a possui inteira” e assim por diante. Dentro da Igreja, esta mesma atitude – a daquele que entende poder julgar concílios, papas, etc. – verifica-se que os que entendem saber o que é melhor para a Igreja, sem a Igreja, não chegaram (nem chegam) à verdade, mas à revolta, cujo antecedente é a heresia e a consequência o cisma. A perspectiva da vocação religiosa é esta: aceita-se de maneira livre, amorosa e espontânea Cristo e, em consequência, a Igreja que Ele próprio fundou, com os atributos de impecância e indefectibilidade – ela não erra no que dá para crer aos fiéis; não peca nem consente com o pecado e não pode ser destruída. Porque, aceitando-se que Jesus é Deus, naturalmente aceita-se que Ele próprio criou a Igreja, a qual existe no mundo mas com ele não se confunde; aceita-se que Ele, que é Deus, deu-se uma mãe; que o que Ele prometeu, Ele cumpre; que a Igreja nunca ficaria privada da garantia de assistência do Espírito Santo, pois Ele assim prometeu, e assim por diante. De um lado, a Filosofia, que exige espírito forte e contencioso, capaz de aceitar somente o seja forçado a aceitar; de outro, a Teologia, que exige espírito igualmente forte, porém espírito de fé e docilidade de coração quanto ao que Deus mesmo revelou, mas que deixou ao homem a liberdade de recusar. Quem, a propósito de defender a Igreja, manifesta índole beligerante e refratária à obediência – e obediência amorosa – ao que a Igreja ensina, decide, manda crer, etc., é porque provavelmente possui vocação filosófica, mas não religiosa. Quem sinta no coração dúvida em quem acreditar, se na interpretação que a Igreja dá a seus documentos e decisões, ou na de grupos ainda que constituído de indivíduos dotados de imensa cultura, é talvez porque sua vocação é filosófica ou artística, mas não de fato religiosa. Joel Nunes dos Santos, em 10 de maio de 2012.

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