sexta-feira, 27 de junho de 2014

A IGNORÂNCIA INVENCÍVEL , E A BUSCA PELA VERDADE - Liturgia diária , 27 de junho de 2014

A IGNORÂNCIA INVENCÍVEL , E A BUSCA PELA VERDADE
A justa condenação de ignorantes não é um caso de intolerância desmedida, pois, por vezes se dá que no homem a consciência se vai progressivamente cegando, com o hábito do pecado. Um justo que seja ignorante por toda a vida, reflete-se algo quase que utópico, pois “quem pratica a verdade aproxima-se da luz” (Jo 3, 21). Ou seja, a sua prática de justiça o encaminhará para a vereda que lhe tirará da ignorância. Assim, para aquele que será contado entre os justos, a ignorância é, ordinariamente, algo passageiro que deve ir se extinguindo quando ele se deixa guiar pelos caminhos da justiça, consumando-se a sua inclusão no Corpo Místico de Cristo antes da morte, ordinária ou prodigiosamente
 
O homem sempre está impelido à verdade e é plenamente capaz de conhecer a Deus e suas obrigações para com o Criador. Tal conhecimento se pode adquirir através da busca pela verdade que é recompensada por Deus. Acontece, porém, que muitos desvios são trilhados pelo homem quando põe outros interesses acima da verdade, posto que, quanto à verdade, "acontece também que o próprio homem a evite, quando começa a entrevê-la, porque teme as suas exigências. Apesar disto, mesmo quando a evita, é sempre a verdade que preside à sua existência". (Fides et Ratio, 28)
 
O ser humano não pode ignorar Deus, já que a Sua existência é manifesta em todas as coisas criadas. No fundo de seu ser, o homem sabe de Deus, e não pode se desfazer da missão de buscá-lo. É pela mística da religião que ele se dispõe a alcançá-lo. Partindo desse pressuposto, todo justo que caminha para Deus não se contenta com propostas religiosas que contradigam ao Deus que se apresenta em uma consciência reta. Por isso o homem em sua busca de Deus é, por natureza, como um cientista em suas pesquisas à busca de comprovar sua intuição. Mesmo um documento pós-conciliar expõe tal analogia:
 
O homem não começaria a procurar uma coisa que ignorasse totalmente ou considerasse absolutamente inatingível. Só a previsão de poder chegar a uma resposta é que consegue induzi-lo a dar o primeiro passo. De fato, assim sucede normalmente na pesquisa científica. Quando o cientista, depois de ter uma intuição, se lança à procura da explicação lógica e empírica dum certo fenômeno, fá-lo porque tem a esperança, desde o início, de encontrar uma resposta, e não se dá por vencido com os insucessos. Nem considera inútil a intuição inicial, só porque não alcançou o seu objetivo; dirá antes, e justamente, que não encontrou ainda a resposta adequada. (Fides et Ratio, 29)
 
Da mesma forma que as pesquisas que não apresentam um resultado satisfatório induzem o cientista a buscar respostas mais além, assim é o homem que se deixa conduzir até a verdadeira Igreja (e nos tempos hodiernos à face mais autêntica desta mesma Igreja) porque não se satisfaz com as contradições e erros crassos que facilmente uma consciência reta detecta nas falsas religiões. Mas quando deixa macular sua consciência, acontece que ele se satisfaz com respostas incompletas e se desleixa na busca que lhe garantiria a salvação
 
Coloquemos em relevo alguns aspectos acerca do termo "ignorância", quando utilizado em documentos do magistério. A sua aplicação em geral atribui severas e devidas conseqüências aos ditos ignorantes. Excetuando-se os textos que tratam especificamente da ignorância invencível, busque-se encontrar aqui o sentido ao qual o Magistério recorre ao utilizar o termo ignorância em seus escritos formais
 
Observando-se o dogma "Fora da Igreja não há salvação", que posicionamento coerente com a fé deve-se assumir diante dos casos dos que ignoram o evangelho?
 
Pode-se encarar a doutrina da ignorância invencível como sendo aquela que trata de buscar uma resposta exigida para uma situação, no mínimo, escandalosa para a mente humana: A possibilidade de que alguém possa ser condenado sem conhecer a Deus, a Igreja e a doutrina que se deve seguir
 
Ainda que se reconheça a existência e a atualidade do dogma Fora da Igreja não há salvação, a doutrina da ignorância invencível pleiteia a possibilidade de poder vir a salvar-se aquela alma que, não tendo tido absolutamente a oportunidade de conhecer em vida os preceitos e obrigações relativos à fé, tenha vivido sobre os ditames da consciência e da lei natural infusa no homem, mesmo sem pertencer à Igreja. Supõe-se que esta proposta possa ter sido o resultado da seguinte dedução: Deus, que é justo, não condenará aquele "bom homem" que não teve culpa por não saber o que deveria ter feito
 
Resta, então, que se tenha a ignorância invencível como uma doutrina que, por natureza, deva caminhar harmoniosamente com o dogma. E não poderia ser de outra forma. Ainda que se exija grande exercício teológico, é necessário que a ignorância invencível deva se constituir em doutrina que respeite a doutrina dos dogmas, a eles não ferindo absolutamente
 
Nas palavras do Santo Papa Pio X, os ignorantes padecem sua perpétua desgraça: "Afirmamos que a maior parte dos condenados às penas eternas padecem sua perpétua desgraça por ignorar os mistérios da fé que necessariamente se devem saber e crer para que alguém se conte entre os eleitos"
 
Na Instrução Fidei Donum, tem-se que as almas dos ignorantes têm uma sorte lastimável: "E, finalmente, entristeçam-se com a sorte lastimável de inúmeras almas; em especial dos jovens que, vítimas dos ateus de nossos tempos, crescem, tristemente mantidos na ignorância das coisas divinas
 
O Papa João XXIII, afirma que a ignorância é a causa e a raiz de todos os males: "A causa e a raiz de todos os males que, por assim dizer, envenenam os indivíduos, os povos e as nações, e tantas vezes perturbam o espírito de muitos, está na ignorância da verdade"
 
Na Adiutricem Populi, encontra-se que se deve preservar da ignorância: "Fizemos observar que não última entre as vantagens do santo Rosário é fornecer ao cristão um meio prático e fácil para alimentar a sua fé e preservá-la da ignorância e do perigo do erro"
 
Na Magnae Dei Matris, a constatação de que a ignorância é antes um perigo que um atenuante de culpa: E já por toda parte o campo do Senhor, como que talado por uma terrível peste, quase se asselvaja, pela ignorância da religião, pelo erro e pelos vícios. [...] Para preservar seus filhos deste gravíssimo perigo da ignorância, a Igreja não descura nenhum dos meios que a sua vigilância e a sua solicitude lhe sugerem
 
No Motu Proprio Boni Pastoris, o Papa faz exigências, não isentando aqueles que tentam em contrário, ainda que o faça por ignorância: Isto declaramos e estabelecemos, decretando que a presente Carta seja sempre e permaneça firme, válida e eficaz; tenha sempre pleno efeito, e que agora e no futuro sirva plenamente a todos a quem isto interesse ou possa vir a interessar; que assim se deve legitimamente julgar e definir; e que a partir deste momento, deve considerar-se nulo e inválido tudo quanto, cientemente ou por ignorância, por qualquer pessoa e em virtude de qualquer autoridade, fosse tentado em contrário
 
Leitura análoga vê-se ao final da Divini Amoris Scientia, de João Paulo II : Tendo realizado isto no modo devido, estabelecemos que esta Carta Apostólica seja religiosamente acolhida e tenha pleno efeito, tanto agora como no futuro: além disso, seja considerado como julgado e definido legitimamente, e seja nulo e sem fundamento quanto de diverso a respeito disto possa ser atentado por alguém, qualquer que seja a autoridade, de modo consciente ou por ignorância
 
Para além de toda essa teologia, nada se consuma sem a ação efetiva da Providência Divina que oportuniza a condução dos eleitos, os quais, para tanto, respondem positivamente à graça ofertada por Deus

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