domingo, 5 de fevereiro de 2012

A Vocação Filosófica na Igreja-III

O primeiro filósofo, Sócrates, não era uma pessoa simpática. Tanto não era que despertou a ira de pessoas influentes, as quais moveram contra ele um processo baseado em argumentos desonestos, que o levaram à morte. Ele representa o primeiro indivíduo radicalmente comprometido com a idéia de levar a capacidade pensante do homem a seu extremo e só crer principalmente no que pudesse demonstrar. Entendia não ter como guia nenhuma outra coisa senão a força do próprio intelecto, assim como entendia que tão logo o homem conseguisse vencer a ignorância, então se converteria radicalmente ao bem.

Em seguida de Sócrates, vieram Platão e Aristóteles. Platão alternava o esforço de reflexão filosófica com o ativismo político, envolvendo-se com várias tentativas de criação de alguma sociedade política nos moldes que acreditava ser o melhor para o homem. Era sobrinho de governante: seu tio formava com mais dois associados um triunvirato de governantes. A fama deste seu tio era tamanha e despertava tanto temor que uns piratas que sequestraram Platão, ao saberem de quem ele era parente, libertaram-no e devolveram-lhe o dinheiro do resgate. Com este dinheiro, comprou um campo onde criou sua escola de filosofia, conhecida como Academia, nome que, segundo alguns, deve-se ao fato de o proprietário de quem fora comprado chamar-se Academos. A Academia persistiu por 600 anos e foi extinta quando lá prevaleceram indivíduos tomados pela luxúria.

Aristóteles foi o terceiro filósofo, aquele a quem Santo Tomás de Aquino refere na Suma Teológica simplesmente como “o Filósofo”. Sua obra é como que a culminação das positividades das contribuições de Sócrates e Platão ao entendimento humano, e como que a manifestação do esforço do homem em conhecer aquilo que Hugo de São Vítor (em “Mistérios da Fé Cristã”) chama de Revelação Natural, a qual, antes do surgimento da Filosofia, está anunciada pelas palavras de Jó (12, 7-10):

"9 Pergunta, pois, aos animais e eles te ensinarão; às aves do céu e elas te instruirão.8 Fala (aos répteis) da terra, e eles te responderão, e aos peixes do mar, e eles te darão lições. 9 Entre todos esses seres quem não sabe que a mão de Deus fez tudo isso, 10 ele que tem em mãos a alma de tudo o que vive, e o sopro de vida de todos os humanos?


Pela Revelação Natural o homem é capaz de alcançar o conhecimento das coisas divinas, segundo explica Paulo (I Rom., 1, 18-20), uma vez que

“o que se pode conhecer de Deus é-lhes [aos gentios] manifesto, porque Deus lho manifestou, já que as coisas insivisíveis de Deus, depois da criação do mundo, compreendendo-se pelas coisas feitas, tornaram-se visíveis.”


Hugo de São Vitor explica que a queda tornou esta revelação insuficiente para o homem, convindo a Deus dar ao homem a Revelação Escrita, onde ficaria explicitado de maneira mais clara o pensamento de Deus ao homem. Ambas, para serem compreendidas como se deve, requerem a novidade introduzida pelos Evangelhos: a Graça.

O auxílio da Graça é indispensável não somente para a vida sobrenatural, mas também para que se dê um adequado crescimento na vida natural, de modo que não se disperse em sucessões de enganos que acabam dificultando perceber quão grande graça é possuir vida propriamente humana, portanto, vida não dispersiva. A Graça torna possível que se façam escolhas coerentes com a própria vocação. Para o correto desenvolvimento e correta manifestação da vocação, é necessário um adequado aporte cultural. Para que a cultura seja adequada, é necessário que se aprenda os fundamentos da Filosofia, cujo ápice pode ser encontrado nas Sumas de Santo Tomás de Aquino, onde ele diz e demonstra, fazendo, que “a Filosofia é serva da Teologia”. O que significa dizer que é muito necessário que o maior número possível de católicos adquira o hábito do estudo da Filosofia, pois isto ajudará no cumprimento do dever católico enunciado por São Pedro (I Ped., 3, 15):


“Estai sempre prontos a responder para vossa defesa a todo aquele que vos pedir a razão de vossa esperança, mas fazei-o com suavidade e respeito”,


não porque a razão natural seja suficiente para tanto. Não é. Mas porque a Graça aperfeiçoa a natureza; se esta é cultivada como convém, então a amplitude da ação da Graça será manifestamente mais abrangente.

Que exemplo atual se pode citar do efeito da Graça na alma de alguém, na Igreja, cuja base vocacional natural é filosófica? Creio que o Papa Bento XVI, que atende com linguagem simples, filosoficamente fundamentada, e até comovente, o dever do católico de dar a razão de sua fé. Com humildade escreve no Prefácio de seu livro “Jesus de Nazaré, da entrada em Jerusalém até a Ressurreição” (p. 14),

“...espero que me tenha sido concedido aproximar-me da figura de Nosso Senhor de um modo que possa ser útil a todos os leitores que queiram encontrar Jesus e acreditar n’Ele”.


Esta “aproximação” do Papa da figura de Nosso Senhor, ele a empreende fazendo uso da força e brilho de inteligência essencialmente filosófica, auxiliada pela Graça. Nele se observa a manifestação contemporânea e atual do que Santo Tomás de Aquino explicou, que


“a doutrina sagrada utiliza também a razão humana, não para provar a fé, o que lhe tiraria o mérito, mas para iluminar alguns outros pontos que esta doutrina ensina. Como a graça não suprime a natureza, mas a aperfeiçoa, convém que a razão natural sirva à fé.” (STh 1, q1, a8, c)


Que bom auxílio é a via do estudo, precedida pelo hábito da oração, para não se sucumbir à loucura do mundo moderno!...


Joel Nunes dos Santos, em 04 de fevereiro de 2012.

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