sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA - II


por Rodrigo R. Pedroso

    Em nosso artigo anterior nos tínhamos proposto definir o que fosse a doutrina social da Igreja. Partindo do magistério do papa Bem-aventurado João Paulo II, concentramo-nos, entretanto, em primeiro deixar bem claro o que a doutrina social da Igreja não é, antes de explicar o que ela é. Chegamos, então, à conclusão de que a doutrina social da Igreja não é uma ideologia, não sendo, portanto, uma espécie do gênero que compreende o liberalismo e o socialismo. Uma ideologia é um sistema de ideias para guiar a ação social e política que, por mais coerente que possa ser ou parecer, parte de princípios arbitrários e parciais, alheios à verdade da natureza humana em sua integralidade. A doutrina social da Igreja difere radicalmente das ideologias porque pretende ser o resultado de uma reflexão sobre a própria realidade do homem e da sociedade..

    Por não ser uma ideologia, a doutrina social da Igreja não se apresenta como uma panaceia, ou seja, como um remédio universal para todos os males sociais, com soluções prontas e acabadas para todos os problemas coletivos, tal como se dá com as ideologias já citadas do liberalismo e do socialismo. Os ideólogos liberais e socialistas, por exemplo, acham que as mesmas medidas sociais são capazes de solucionar os problemas tanto dos Estados Unidos como os da Zâmbia, tanto os do Brasil como os da Noruega. Não compreendem que países diferentes, dotados de características culturais e geográficas diferentes, têm problemas diferentes e reclamam, por isso mesmo, soluções diferentes. Na verdade falta às ideologias modernas uma distinção que a doutrina social da Igreja bebeu na filosofia de Aristóteles: a distinção entre essência e acidentes.

    Aristóteles, o príncipe eterno dos verdadeiros filósofos, compreendeu que todos os seres que existem são uma realização concreta e individual de uma essência ou natureza abstrata e universal. A natureza ou essência predica-se identicamente de todos os entes que a possuem – Aristóteles não é mais homem do que Sócrates, nem Duque é menos cão que Rintintim. Um ser humano não difere de outro pela natureza, mas pelos acidentes: altura, sexo, idade, local de nascimento, cor da pele, profissão, classe social, grau de instrução etc. todos estes são acidentes do ser humano, sem que isso implique alteração ou diminuição de sua invariável natureza. Assim, se por um lado a natureza faz com que determinado ser seja algo – um homem, um cão, um gato, uma planta, um mineral – os acidentes preenchem de concretude aquela essência que em si mesma é um esquema abstrato de possibilidades. Assim, cada indivíduo é um universal concreto – a realização concreta e particular de uma essência universal.

    Ora, a doutrina social da Igreja trabalha no plano da essência, no plano do universal, e não desce aos detalhes dos acidentes. Desse modo, a doutrina social da Igreja, em vez de oferecer um modelo de sociedade em seus mínimos detalhes, vem propor princípios universais, exigências mínimas e fundamentais, válidas para qualquer espécie de sociedade, independentemente de cultura ou momento histórico, sem impor nenhum regime político ou social específico. Com efeito, ensinou o Concílio Vaticano II: «A Igreja não está ligada, por força da sua missão e natureza, a nenhuma forma particular de cultura ou sistema político, econômico ou social» (Constituição pastoral Gaudium et Spes, 42).

    Entretanto, do fato de que a doutrina social da Igreja não impõe nenhum regime político específico, não se permite concluir que ela é compatível com qualquer forma de organização da sociedade. A Igreja nunca cessou de denunciar os erros das ideologias modernas, como o liberalismo e o socialismo. Consta do Catecismo da Igreja Católica: «A diversidade dos regimes políticos é moralmente admissível, contanto que concorram para o bem legítimo da comunidade que os adota. Os regimes cuja natureza é contrária à lei natural, à ordem pública e os direitos fundamentais das pessoas não podem realizar o bem comum das nações às quais são impostos» (C.I.C., 1901).

    O que se quer deixar claro é que as exigências da doutrina social da Igreja são de caráter moral e não de caráter técnico. A doutrina social da Igreja limita-se a enunciar as exigências universais que nenhuma sociedade tem o direito de transgredir, sendo que as decisões de caráter técnico e específico devem ser tomadas para satisfazer da melhor maneira as exigências de ordem moral, segundo as circunstâncias concretas de cada povo. É aqui que cabe um papel importantíssimo aos leigos: a nós compete a aplicação concreta da doutrina social da Igreja, traduzindo os princípios morais que o magistério enuncia em soluções técnicas e políticas. Efetivamente, assim ensinou o papa Paulo VI: «Os leigos devem assumir como tarefa própria a renovação da ordem temporal. Se o papel da hierarquia consiste em ensinar e interpretar autenticamente os princípios morais que se hão de seguir nesse domínio, pertence aos leigos, por suas livres iniciativas, e sem esperar passivamente ordens e diretrizes, imbuir de espírito cristão a mentalidade e os costumes, as leis e as estruturas da sua sociedade» (encíclica Populorum Progressio, n. 81).

    Esta série de artigos que estamos escrevendo e publicando neste espaço pretende ser um convite para que todos respondamos afirmativamente a esse apelo dos papas, no sentido da renovação da ordem temporal, à luz do Evangelho.

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Rodrigo R. Pedroso, com 32 anos de nascido, é brasileiro, casado, advogado graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (FD/USP), mestrando em filosofia política pela FFLCH/USP e procurador da Universidade de São Paulo. Críticas, dúvidas e sugestões podem ser enviadas para o correio eletrônico rpedroso01@terra.com.br.


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