terça-feira, 5 de outubro de 2010

OS TUBARÕES SOLTARAM ROJÕES E DERAM VIVAS A CHALITA!


Apontamentos da campanha eleitoral para deputado federal em 2010

Chego ao final de uma campanha eleitoral, que foi realmente uma empreitada para além das minhas forças.

Como fazer uma campanha deste porte, residindo talvez no menor dos municípios do Estado de São Paulo, incrustado nas montanhas da Serra da Mantiqueira? Com que recursos, com que meios? Mas houve um imperativo. Não podia me omitir. A causa da vida urge! Os tomadores de decisão estão votando contra a dignidade da vida, contra a família, contra os princípios cristãos. Temos que nos mobilizar em defesa da vida.

Aceitei atuar no campo legislativo não por ambição, mas pelo sentido da missão, especialmente a missão evangelizadora. A leitura da vida de São Luis, por Jacques Le Goff, inspirou-me o ideal do político cristão (capaz de heroísmo, renúncia e sacrifício por fidelidade ao projeto de Deus, sempre em vista a dimensão soteriológica da vida eterna. “Começamos aqui o que decidim os ser na eternidade). E também Thomas Morus, padroeiro dos políticos, mártir por não negar o primado de Pedro, o sucessor dos apóstolos. Das alturas azuis destas montanhas, li com grande proveito espiritual a vida de São Luis, pai de família exemplar, legislador notável e, acima de tudo, um rei cruzado.

Houve discernimento e aconselhamento, e coragem de me lançar numa campanha que foi uma façanha e tanto!

Viagens de ônibus, dormindo em casas de família, uma cirurgia de apendicite, muito pouco recurso, um desinteresse enorme de muitos pela causa defendida: a causa da vida, da família, da Igreja e da Pátria. Mais fácil o ceticismo, o indiferentismo, as generalizações. Eu dizia que esta eleição era crucial para a vida da Igreja no Brasil, pois forças adversas ao cristianismo estão se estruturando e vão lançar seus dardos cada vez mais fortes contra os princípios e valores cristãos em nosso País. Mas vi claramente que a maior parte das pessoas hoje não se movem ma is por convicções, mas puramente por interesses imediatistas. Preferiram então a aparência, e faltou o discernimento.

Partilho aqui alguns fatos que me impactaram:

O que mais me chocou neste processo foi o alto índice de corrupção eleitoral e a constatação de que vivemos mesmo numa plutocracia, em que triunfa o cinismo e a demagogia. Espantou-me ver como o dinheiro se tornou ídolo, ídolo mesmo, cultuado, adorado enfim. Tudo por dinheiro!

Logo no início da campanha, indicaram-me um empresário em São Paulo, que talvez pudesse me fazer uma doação para viabilizar as despesas de campanha. De cara, ele me perguntou: “Você tem noção de quanto você vai gastar em sua campanha?” E ficou mais de uma hora dizendo que eu iria precisar disso e daquilo, que se tratava de uma campanha muito cara, e que o conceito de democracia como oportunidades iguais para todos era uma falácia (pura retórica), pois o que prevalecia mesmo era o poder econômico. "Ganha quem tem para gastar", era a sua tese. Muitos na campanha, não prestaram atenção ao que eu tinha a dizer, porque não havia aparato, nem mesmo assessoria. Um padre se surpreendeu de eu ter ido à sua casa, de ônibus. Fez questão de me acompanhar até o ponto. Quando me viu no ônibus lotado, junto ao povo, fez recomendações a um auxiliar próximo; “É melhor a gente apoiar o Chalita. Este não tem dinheiro!”

“Você foi bobo!” Afirmou um colega vereador. “Devia ter feito caixa dois como Presidente da Câmara. A maioria faz isso com gordas porcentagens, até mesmo com parte dos salários dos assessores de confiança. Honestidade não dá voto, meu amigo! Agora, como é que vai fazer campanha?”

Foi quando uma liderança de uma cidade próxima me telefonou dizendo que iria me apoiar e que tinha uma proposta a fazer. No dia seguinte, veio acompanhado de alguns assessores de um candidato a deputado estadual propondo uma dobrada com ele. “Do jeito que você está, se não dobrar com algum tubarão, não se elege!” E foi pragmático: “A gente fez um estudo e achamos que você pode conseguir uns mil votos. Isso nos interessa.” E prosseguiram dizendo que ofereciam trinta mil reais pela dobrada, porque tinham informações de que eu poderia realmente ter mais de mil votos na região. E disseram que no dia seguinte viriam me pegar e me levar para o escritório do tubarão, onde tudo seria resolvido. Eu teria o suporte financeiro para fazer uma campanha bem suced ida. “Sem dinheiro, você não ganha. Fé não enche barriga!” Um vereador soube da visita do assessor do magnata, e veio correndo falar comigo, dizendo que o homem tinha bala na agulha. Queria fazer parte do esquema. “Se te derem trinta mil, me arruma cinco e eu te consigo os mil votos, 'do jeito profissional', pois ele sabia como as coisas funcionam.”

Chegando em casa, a primeira coisa que fiz foi pesquisar no Google o perfil do candidato, e fiquei chocado com o que vi, principalmente com as várias denúncias em vídeos do youtube, de desvios de verbas, formação de caixa dois, compra de votos, etc. E ainda mais, o candidato estava indeferido pelo TRE, com vários processos na Justiça. Liguei imediatamente para um dos seus asseclas, para ele não vir, pois não tinha como fazer a tal “dobrada”, inclusive porque ele era de um partido que não estava na minha coligação. E expliquei que, pela lei, aquilo não podia ser feito, com risco de ser denunciado e ter impugnada a minha candidatura. Ao que o assessor me respondeu: “Deixa disso, Presidente, bobagem! Não vai acontecer nada, você não vai deixar de g anhar trinta mil reais por causa disso, vai?” Ao que tive de ser categórico: “Não dá!”.

Mesmo assim, no dia seguinte vieram pessoalmente em minha casa, prontos para me levar ao tubarão. Fomos a um restaurante aos pés da Pedra do Baú (nome que significa guardião) e reafirmei que não dava, porque ele estava indeferido, tinha processos nas costas e não era do partido da minha coligação. Então veio o clássico murro da mesa: “Ele fechou com 148 vereadores em todo o Estado de São Paulo. Como é que você vai fazer a sua campanha? Vai pagar mico, quebrar a cara e ter pouco voto. Veja bem! É campanha de grande porte. Nos interessa os mil votos que você pode ter, entende? E então? Vamos logo resolver isso. O que há, quer mais? Enquanto degustávamos uma truta com pinhão, prato típico da cidade, voltei a dizer que não dava. E eles insistiram: “Presidente, fique sossegado, temos bons advogados. Não há o que a gente não resolva. Olha! Para te tranqüilizar ainda mais: nossos advogados são da equipe da Dilma Roussef.” Aquilo foi fulminante. E encerramos a conversa, por ali: “Não dá!”

O colega vereador ficou inconformado com a recusa, e começou a sair vociferando impropérios, desqualificando-me junto a população. De que a campanha não ia decolar, de que eu ia quebrar a cara, e de que eles, sim, sabiam fazer a coisa. Irado, desgostoso, foi buscar outras opções. Dias depois, uma das lideranças locais trouxe um candidato a deputado federal, de helicóptero, na cidade, e no restaurante fecharam um negócio em torno de quarenta mil reais. Não demorou muito e a cidade foi invadida de banners por toda a parte, de um ilustre desconhecido, garotão bonito, que logo começou a fazer sucesso entre os jovens da praça principal. Banners, cavaletes, folhetos, só dava o garoto mimado na cidade. Nunca ninguém o havia visto por lá, mas o líde r local conseguira montar o esquema que queriam. E logo veio uma profusão de cavaletes nas calçadas das ruas e avenidas, que ficaram intransitáveis. “Ganhamos quarenta mil, vamos fazer mil votos e lhe ensinar uma lição! O nosso candidato agora vai ser o primeiro na lista, na cidade. Com dinheiro na mão, a gente transforma estrume em doce!”

Continuei a campanha com algumas poucas doações, utilizando meu salário para cobrir despesas emergenciais. E enquanto eu ia apresentando a causa da campanha, levando as pessoas à conscientização das questões em defesa da vida, na cidade, os cabos eleitorais dos “tubarões” promoviam churrascos, jogos de truco nos finais de semana, entrega de cestas básicas, cerveja liberada para o povo, etc. “Tem que ser assim, senão você morre na praia”.

E perguntei:

“Vai trinta, quarenta mil reais nisso?”
“Não! Respondeu o edil.
“Como assim?”

“Você vai precisar de dinheiro para a reta final, você entende? Especialmente para o dia da eleição.” E me explicou: “Vou ser prático e lhe explicar sucintamente o que acontece: escolhemos lideranças de bairro, que conhecem os mais vulneráveis, o pessoal que aceita qualquer negócio. No dia das eleições, conseguimos aí uns vinte, trinta carros particulares, que vão aos bairros da zona rural buscar eleitores. Em cada carro, vêm três, quatro, até cinco pessoas. E lá dentro, no trajeto das casas até a escola, aonde se vota, entregamos os envelopinhos, junto com a colinha, com dez, vinte e até trinta reais, dependendo da pessoa. Entendeu? Se não for desse jeito, meu amigo, você não ganha. Por isso o pessoal gasta uma nota em campanha, e muitos são reeleitos assim, cada vez mais aprimorando o esquema. Compra-se o voto em todo o País. Se você não fizer isso, vai pagar mico.”

Com uma equipe muito reduzida, consegui viajar por mais de doze municípios, muitos me reembolsando o transporte. Os poucos banners que obtive não foram suficientes para dar visibilidade à minha candidatura. Muitos, até o último dia, ficaram sem saber que eu era candidato, enquanto os tubarões fizeram uma propaganda bastante ostensiva e agressiva. Parte da correspondência com o material que ia pelo correio, ficou em casa, por falta de recurso. Não foi possível visitar todos os bairros, porque alguns funcionam como feudos. Uma das lideranças de um dos bairros mais populosos da zona rural, se desculpou dizendo que achava bonita a minha causa, mas ele havia sido “comprado” por um dos tubarões, porque tinha que terminar a reforma de sua casa. “Mas deixa aqui seus santinhos, que consigo uns votinhos p ara você lá!”

Na visitas em outras cidades, fiz deslocamentos de grandes distâncias, para reuniões com 10, 20 pessoas. “Olha! A gente tem conversado com o pessoal, mas eles vão votar mesmo no Chalita.” Religiosos chegaram a dizer: “A Igreja estará bem representada com o Chalita! Ele tem mais chance de nos ajudar em nossas ONGs. As nossas paróquias funcionam como ONG, você entende? Precisamos de recursos e o Chalita pode nos oferecer mais”.

Foi uma campanha difícil, dificílima. Devo levar alguns meses para pagar as dívidas. Os tubarões venceram, soltaram rojões. Deram vivas ao Chalita, ao Tiririca. E no começo da noite, um dos vereadores me ligou para me dar o resultado: “agora você viu como se ganha eleição? Fica aí com os teus votos limpos, pois nós é quem vamos para Brasília.”
Prof. Hermes Rodrigues Nery

Um comentário:

  1. Eles queriam os "mil votos" do Prof. Hermes, corruptamente; o Prof. teve mais de 3000 de maneira honesta!!! Deve ter sido uma luta dura e cansativa, mas o sr. Prof. pode agradecer a Deus, por num meio tão sujo, ter a graça de "combater o bom combate da fé". Que o Senhor o abençoe e o confirme na certeza de que "Fiel é aquele que vos chama, e o cumprirá" (I Tes 5, 24)

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